WASSAIL! O Ritual da Twelfth Night
Mais do que uma bebida ou uma festa, Wassail é um elo de ligação com a Natureza e com o próprio Ciclo da Vida.
Wassailing: o Ritual da Twelfth Night
Um grande grupo de pessoas usando máscaras e roupas estranhas, transportando nas mãos tochas acesas, numa procissão de luz. Entram nas profundezas do pomar, em direcção à árvore mais antiga. Um círculo de fogueiras à volta da árvore.
Os dançarinos usam chapéus altos engrinaldados, com penas e outros objectos encontrados por aí, trapos multicolores. Parecem elementais, como se pertencessem à escuridão, ao fogo e à terra. O mundo virou-se do avesso.
Cem pessoas rodeando a velha macieira e cantando uma antiga canção de Wassail:
Old Apple tree, old apple tree;
We’ve come to wassail thee;
To bear and to bow apples enow;
Hats full, caps full, three bushel bags full;
Barn floors full and a little heap under the stairs.
É tempo de expulsar os maus espíritos dos ramos e despertar as macieiras de maçãs de sidra da sua sonolência. Como os espíritos são teimosos e as árvores estão a dormir profundamente o grupo de foliões tem de ser o mais barulhento possível. Gritam e berram o mais alto que conseguem enquanto quatro homens avançam e disparam uma rajada de balas das suas espingardas. O fumo torna-se prateado nas chamas dançantes, o cheiro a pólvora acentua a sensação de perigo, de excitação e de alteridade.
A parte final da cerimónia envolve a colocação de torradas encharcadas em sidra nos ramos da árvore e o derrame de sidra nas suas raízes. Dependendo das interpretações, este rito poderá atrair bons espíritos para substituir os que partiram ou chamar pássaros que irão ajudar a árvore a prosperar, garantindo uma boa colheita de Outono. De qualquer forma, é um sinal de renovação e despertar, devolvendo à árvore alguma recompensa pela dádiva dos frutos do ano anterior.
À medida que o fogo das tochas começa a esmorecer, os figurantes deste invulgar cortejo retiram-se para um celeiro à luz das velas para beber sidra, comer salsichas e carne de porco e dançar. Para alguns deles, possuídos pelos espíritos que por aí vagueiam, a noite torna-se mais turva e a dança mais selvagem. Outros apenas sorriem e conversam polidamente, referindo a bela cerimónia a que tinham assistido.
Este é o ritual de Wassail ou Apple Orchard Wassailing realizado na Twelfth Night, a Velha 12ª Noite, a 17 de Janeiro, em vários condados ingleses de produção sidreira do Somerset, como Carhampton e Minehead. O propósito final desta cerimónia de abençoar as macieiras com sidra quente é o pedido aos Deuses de uma boa colheita de maçãs.
Estes ritos costumavam também envolver pedidos de dinheiro às pessoas mais abastadas da pequena nobreza, bem como brincadeiras desafiando a sua autoridade, numa altura em que as regras e as hierarquias que governavam a vida quotidiana estavam momentaneamente suspensas.
Embora os rituais de cada Wassail registem variações conforme a localidade, todos têm os mesmos elementos essenciais. Em alguns rituais este acto sagrado é realizado pela Rainha de Wassail. Noutros, são as crianças chamadas a imbuir a árvore com um pouco da sua juventude. Às vezes são os Morris Men que asseguram este rito.
De facto, o encanto de ver o Rei e a Rainha Wassail a entoarem a tradicional canção numa procissão ritualística que passa de pomar em pomar é inolvidável. A Rainha Wassail é levantada até aos ramos da macieira onde vai colocar as torradas embebidas na beberagem Wassail feita na taça de barro, como uma oferenda aos espíritos da árvore, exibindo os frutos criados no ano anterior.
A figura de um menino, Tom Tit, substitui, em alguns condados, a Rainha, pendurando na árvore o pão torrado encharcado em sidra. Em seguida, um encantamento é geralmente recitado.
Outra figura muito popular no folclore do Somerset é o Homem da Macieira, o espírito da macieira mais antiga de um pomar e no qual reside a fertilidade desse mesmo pomar. Uma estória conta mesmo que um agricultor ofereceu a sua última caneca de sidra quente às árvores do seu pomar, sendo recompensado pelo Homem da Macieira que lhe revelou a localização de um tesouro enterrado.
Wassail é, no seu todo, um registo social sobre convivência, partilha de comida e bebida, sacralização da Terra com a bênção das macieiras com sidra.
Reconexão com as Estações
Wassail remonta à época em que o Natal era celebrado por doze dias e a Twelfth Night era ruidosa e turbulenta como todas as outras dessa quadra festiva.
Antes da adopção do Calendário Gregoriano pela Inglaterra em 1752, a Twelfth Night acontecia no que é agora o dia 17 de Janeiro e o Wassail era celebrado nessa data ou no Sábado mais próximo.
De uma festa celebrada por um grupo de Morris Men, cresceu para se tornar num evento significativo, particularmente nas zonas onde crescem maçãs. Wassail, o agradecimento à Terra, coloca-nos de novo em contacto com a Natureza e faz-nos apreciar o ciclo das estações.
Actualmente é possível visitar uma dúzia de herdades que celebram Wassail na Twelfth Night. Por uma quantia quase simbólica, que frequentemente reverte a favor de instituições de caridade, pode participar-se na festa, que inclui a procissão com tochas ao pomar, enfeitar a mais velha árvore com torradas embebidas em sidra, música ao vivo, morris e mummers dances, comida e bebida.
Requisitos: roupa e calçada quentes, chapéus ou cartolas decorados, tachos e panelas para fazer (muito!) barulho.
Sim, porque Wassail é também cordialidade, partilha de bebida e comida e, sobretudo, convívio.
Wassail: A Bebida Ritualística
“Uma grande tigela de wassail na qual as maçãs sibilavam e borbulhavam.”
Em época de Yule era usual as pessoas beberem Wassail, uma espécie de ponche quente bebido numa tijela a que se dava o mesmo nome. Aparentemente às primeiras versões desta bebida, tendo por base hidromel aquecido, chamava-se lambswool.
Posteriormente, a Wassail transformou-se numa bebida feita com sidra quente (Mulled Cider), maçãs, açúcar, canela, gengibre e noz-moscada, coberta com fatias de pão torrado e bebida de uma grande tigela comunitária.
As receitas mais modernas juntam a uma base de sidra quente, maçãs e laranjas, canela, mel e até ovos batidos que são temperados na bebida. As Queimadas Galega e Transmontana podem ser interpretadas como outras versões da Wassail.
A Wassail é feita e servida em grandes tijelas de madeira, cerâmica ou lata, com várias pegas para partilhar a bebida e tampas com decorações profusas. Ainda hoje é possível encontrar vários exemplos antigos destes recipientes em tabernas do norte de Portugal, galegas e asturianas e em pubs tradicionais britânicos
Wassail: O Brinde da Comunidade Sidreira
Wassail, em ye-olde english, boa saúde, é uma saudação amplamente adoptada pela comunidade sidreira para brindar. Pode ainda significar bebedeira ou passar a noite a beber, a divertir-se e a cantar: here we go a-wassailing.
Wassail: A Receita
A receita desta reconfortante bebida regista algumas variantes. Deixamos aqui um exemplo de Jamie Oliver de como podes preparar uma Wassail deliciosa que ajude a aquecer as agruras deste Inverno.
Ingredientes:
- 2 litros de sidra tradicional
- 6 unidades de cravinho
- 3-4 estrelas de anis
- ¼ de noz moscada ralada
- 1 pau de canela
- 1 vagem de baunilha partida ao meio
- sumo de 1 laranja
- sumo de 2 clementinas
- sumo e sementes de 1 romã
- 4-5 colheres de sopa de açúcar em pó
Preparação:
Despejar a sidra numa panela grande em lume brando e aquecer por alguns minutos. Adicionar todos os temperos e sumos, aumentar o lume e deixar ferver. Baixar o lume novamente e cozinhar entre 5-8 minutos. Adicionar açúcar a gosto e servir quente
Fontes:
Pete Brown, Revista Full Juice, Episode 3, Wassail 2020.
Bladey, Conrad Jay. Do the Wassail, Hutman Productions, 2018.
Gayre, Robert. Wassail! In Mazers of Mead: an account of mead, metheglin, sack and other ancient liquors, and of the mazer cups out of which they were drunk, with some comment upon the drinking customs of our forebears, Phillimore & Co. Ltd., London, 1948.
Ana Maria Viciosa Fuente, Solo Sidra.